top of page

Réunion - Parte um


Era uma noite comum de uma sexta-feira de outono. Em noites como essa, Irmã Béni gostava de fazer suas orações sentada no beiral da última janela do corredor central do convento, que dá acesso ao pomar. O cair das folhas amarelas e marrons, a brisa suave e aquele clima nostálgico eram uma combinação que agradava a doce irmã.

Béni ainda era noviça. Há pouco mais de um ano a Madre Superiora a trouxera para o convento. Desnutrida, suja e maltrapilha, foi acolhida e bem tratada por todas as freiras. Em pouco tempo aprendeu a rotina do convento e iniciou seu noviciado. Dizia ela: “Deus me deu uma nova vida e a ele eu a dedicarei. ”.

Por mais curiosas e intrigadas que as freiras estivessem com a chegada misteriosa da nova companheira, Irmã Béni nunca fora questionada sobre sua antiga vida ou nada de seu passado. A boa convivência dentro daquelas paredes era baseada em respeito e fé.

Por não lembrar, ou pelo menos não falar nada de sua vida, a Madre Superiora lhe deu o nome de Béni, do francês, bendito ou bendita, uma brincadeira singela que a Madre gostava de fazer; “mon mystère béni”, meu bendito mistério, dizia ela dando leves tapinhas na cabeça de Irmã Béni.

O convento de São Miguel ficava no topo de uma montanha ao fim de uma floresta de pinheiros. Com uma estrutura que se assemelhava a um castelo medieval, o convento impunha suas paredes antigas de pedra bruta, com uma torre de três andares no lado leste e um grande muro rochoso cercando o terreno. Detinha uma estrutura colossal de corredores compridos e colunas robustas, com um grande salão principal e um pátio circular com uma bela fonte no centro.

Naquela noite, antes mesmo que pudesse terminar suas orações, Irmã Béni ouviu batidas seguidas de um barulho estridente vindo do portão principal. Parecia um choro de criança, algo comum àquele convento que acolhia mulheres grávidas, de família sem posses, que precisavam de ajuda com o parto. Mas esse choro era diferente, algo como uma canção triste e melancólica de um disco que, de tanto ser ouvido, já desenvolvera suas ranhuras usuais. Irmã Béni enrolou o terço em uma das mãos, pegou sua bíblia com a outra e saiu em direção ao portão central.

Percorre-se quinze metros de um piso de pedras justapostas, paredes amareladas do tempo com janelas grandes de madeira e vitrais com imagens bíblicas acima de cada janela dispostos em um corredor largo que liga a entrada ao salão principal. Ao abrir o grande portão de madeira, aparentemente pesado, mas com dobradiças e roldanas suficientes para permitir que uma criança de dez anos movesse um tanque de guerra, Irmã Béni não pôde acreditar em seus olhos. Um arrepio percorreu seu corpo, suas feições perderam a cor, seus olhos arregalaram-se, suas mãos, molhadas de um suor gelado, deixaram cair o livro sagrado e sua voz se perdeu em um grunhido surpreso. À sua frente, uma silhueta com roupa de flanela, mochila nas costas e um grande cesto de palha entrançada na mão direita falou com voz de andarilho cansado: - “Finalmente te encontrei. ”


© 2023 por Amante de Livros. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page