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O relógio da praça


Tic tac, tic tac. Passa da meia noite. O rapaz anda tranquilamente pela rua, mesmo depois do toque de recolher. Sem pressa, apenas caminha, sentindo a brisa fria e admirando o luar. Zip zap, zip zap. A grande e pesada bolsa, pendia cheia e roçava em sua calça. Três troféus ele carregava. A língua que lambe, as mãos que tocam, o órgão que consuma o fato. Tilim tilim, tilim tilim. A lâmina fria e suja batia nos potes de vidro que guardavam os troféus.

Os olhos castanhos pairam inertes, sem brilho, sem vida. Aqui jaz um doce rapaz. Jovem, alegre, cheio de energia. Aqui jaz um sonho. Casar, ter filhos, passar o resto da vida ao lado de sua amada. O sonho morreu, a amada morreu, o jovem... o jovem se foi.

Véspera de aniversário de namoro. Ela sai para comprar o presente. Uma beleza pura e suave, de cachos ruivos esvoaçantes, pele de um veludo rosado, olhos verdes como os mares da Pérsia. Pobre garota, demoraste demais na loja do centro. Tic tac, tic tac. O relógio da praça marca o toque de recolher. Três soldados bêbados, uma jovem assustada, um beco escuro, gritos, socos, chutes, lágrimas, risos, medo, dor, roupas rasgadas, a língua que lambe, as mãos que tocam, o órgão que consuma o fato. No hospital a pobre garota não resistiu e levou consigo o doce rapaz que, ao saber do ocorrido, enviou sua alma para acompanhar a amada em sua viagem ao Éden.

Tic tac, tic tac. O relógio da praça marca o toque de recolher. Três soldados bêbados, um rapaz sem alma, um beco escuro, gritos, socos, chutes, lágrimas, o pedido de perdão, o facão roubado do açougue do pai, o esboço tímido de um sorriso satisfeito no canto da boca, o sangue no rosto, o silêncio.

Tic tac, tic tac. Passa da meia noite. O rapaz anda tranquilamente pela rua, mesmo depois do toque de recolher. Sem pressa, apenas caminha, sentindo a brisa fria e admirando o luar.


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