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O dia em que o machismo venceu


Fui vencido pelo machismo. Sou homem e estou no ponto oposto ao que, tecnicamente, a sociedade me define. Machismo opressor abraçado por ela.

Naquele dia. Olhei vacilante para o rosto daquela mulher. Suas palavras eram claras e não abriam espaço para dúvidas. “Não quero ser atendida por aquela mulher, tenho preconceito.” Dizia olhando para mim com ar tranquilo, como se estivesse acertado em demasia ao tratar do assunto com um homem – que em sua cabeça deveria ser superior.

Respirei fundo e pensei naquilo durante alguns segundos, mas aquele sorriso cotidiano permanecia em seu rosto.

Já escutei de muitos amigos que minha sinceridade um dia ainda me derrubaria. Não sou de perceber as nuances coloridas dessa vida hipócrita, tudo é preto no branco em minha cabeça.

Recitei palavras simples em direção àquela mulher, em minha cabeça um questionamento à levaria a uma reflexão e ao fim de seu machismo irônico, mas para ela minhas palavras soaram de forma agressiva. Esta é uma de nossas habilidades de ver e ouvir apenas o que queremos.

E o meu fim sombrio estava sendo semeado ali, em minha humilde inocência de que a vida é preta e branca.


“Sinceramente, não compreendo o que tu me dizes. Não posso culpar tua criação familiar ou a forma como tu concebes o viver, mas aceitar que cuspa em ti mesma? É um lamento. Cresci cercado por mulheres fortes e em nenhum momento vi homem algum supera-las em quaisquer façanhas. Sim, porque carregar caixas qualquer animal pode fazer, então não há de se considerar isso um grande feito, mas até para carregar mais em menos tempo e até para se conceber a força em sua melhor forma se é importante pensar. Pensar sempre vem antes do agir e as coisas das quais mais me arrependo vieram do não pensar. Pode até me ser dito que muitas coisas de excelência ocorrem com a bravata impensada, esses causos únicos da vida, mas isso é loteria e nunca vi uma saraivada de jogos terminar em boa coisa. Portanto digo-te, confia em ti, acredita que podes fazer coisas além do teu tempo e que não te botem rédeas invisíveis. O homem opressor faz isso com habilidade e faz porque conhece sua incapacidade em enfrentar as coisas face a face. Perceba que, se os homens criticam e questionam as mulheres, é porque em si encontram as maiores questões a serem resolvidas. E eis que me disseram, “seja homem e assume tuas atitudes. Hoje te digo, seja mulher, pois não admito que você se envenene por conta própria”


E a moça olhou com olhos enluvados e cheios de espanto, talvez ao esperar concordância e não a obtendo sucedeu-se a um breve incômodo e retirou-se em um cumprimento seco.

Fui chamado por meu patrão que angustiado me interpelou. Disse que a mulher reclamou e até esperneou no chão como um bebê sem seu devido presente. Nunca fora tão humilhada e constrangida em toda a vida. “Quem aquele homem pensa que é chamando-me de vil, preconceituosa, machista e cheia de flagelos emocionais? ” Dizia a tal moça.

Confirmei o ocorrido com serenidade e conjuguei a prosa sem dificuldades. Acreditava que de constrangimento maior poupei minha colega de trabalho, a livrei da humilhação opressora, de uma pessoa que dizia “você sabe menos pelo simples fato de ser mulher” e aquilo era algo que eu jamais poderia admitir.

Infelizmente, o cliente e não a moral e boa educação vêm em primeiro lugar. Meu patrão decidiu demitir-me por justa causa. Não sei ao certo o que me passou, não consegui tecer respostas e chocado aceitei em silêncio.

Um ano após o ocorrido, por algum acaso de obra soube que a tal mulher havia sido mãe de seu terceiro menino consecutivo. Ri de forma gradual. Filho por filho, compreendendo que vivia em um mundo de homens e talvez não conseguisse jamais entender minhas palavras daquele dia. Tragicamente peguei minhas coisas e desisti de tudo. Tomei um táxi rumo a rodoviária sem saber que destino seguir. Fechei os olhos e acabei por escolher uma cidade fronteiriça com outro país. Ao chegar a tal lugar, parti em uma moda de tecer poesias pelas ruas. Sem sucesso, decidi vender abraços em troca de pão. Depois de acometido pela fome precisei roubar em uma feira.

Hoje escrevo de uma pequena prisão no fim do mundo e nem entendo muito bem o idioma dos meus colegas de cela. Sem documento neguei minha nacionalidade. É possível que morra esquecido por aqui e deixe, a quem quiser ler, meu relato. Fui vencido pelo tal machismo.


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