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Adeus

  • Daniel Moreira
  • 4 de set. de 2015
  • 3 min de leitura


Era madrugada, por volta das três. Os socorristas foram rápidos, mas somente para constatar o que já era certeza. Minha doce Elizabete, minha secretária, minha confidente, minha amiga, estava morta.

Cheguei em casa por volta das duas da manhã, trabalhei até tarde naquele dia, mas tinha a certeza de que haveria um belo assado me esperando ao lado de uma taça de vinho do porto. Elizabete sempre preparava um espetáculo para o jantar. Sempre havia uma carne maravilhosa acompanhada de uma salada, molhos, cremes e temperos que somente ela sabia preparar de maneira tão sublime. Ela me conhecia como ninguém, meus gostos, medos e segredos, nada em minha vida era desconhecido por Elizabete.

Naquela noite, ao chegar em casa, pendurei meu paletó no cabideiro da sala como de costume, coloquei minha maleta no sofá e chamei por Elizabete, mas sem resposta.

Provavelmente tenha ido à casa de Regina, uma amiga da faculdade a quem Elizabete visitava e por vezes, dormia em sua casa depois de perder a hora do último ônibus. Não sei onde as duas encontravam tanto assunto para suas horas intermináveis de conversas e risadas.

Subi ao meu quarto para tomar uma ducha. Ao passar pelo quarto de Elizabete percebi a luz acesa e a porta entreaberta. Chamei por seu nome novamente, mas como da primeira vez, somente o silêncio respondera, então fui até a porta e pus um olho na fresta para ver se ela estava em seu quarto. Para minha surpresa ela estava, mas não como deveria.

Uma cadeira, uma corda, o maldito ventilador de teto que suportou seus, aproximadamente, cinquenta e poucos quilos e ela, minha querida e alegre Elizabete. Lancei-me em sua direção. A suspendi, cortei a corda, deitei-a na cama, olhei em seus olhos já vítreos e perguntei: Por que me abandonas desta maneira tão vil, tão covarde, se sabes que és tu quem guia meus dias?

Em meio ao pranto infantil que tomara conta de mim, olho para o lado e vejo um pequeno bilhete em cima do criado mudo.


“ Querido Charles.

Perdoe-me por partir assim e, principalmente, por deixar-te com essa cena tão deplorável. É bem verdade que sempre estivemos juntos desde que seus pais contrataram minha mãe para cuidar de um garotinho chorão e teimoso. Um garotinho que cresceu e tornou-se um adolescente rebelde e cheio de birra, mas que ao chegar à fase adulta inundou-se de uma consciência e honradez sem igual e hoje é um dos advogados mais respeitados do estado.

Meu doce e carinhoso Charles, deixo-te porque depois de tantos anos meu coração já não suporta viver com o segredo que guardo desde que o conheci. Amo-te. Meu primeiro e único amor, já que nunca dei espaço para que nenhum outro habitasse meu coração. Sei que não poderei realizar meus sonhos de menina apaixonada, pois você nunca poderá ser meu. Talvez se eu fosse o adolescente magro, de cabelos negros e cacheados que descia a rua de bicicleta na época do colégio, ou o universitário forte de longas madeixas douradas que tocava guitarra nos bares do bairro. Não, sou somente eu, sua eterna amiga e confidente a quem você contara tantos segredos, medos e desejos que nunca tive coragem de declarar o único que eu carregava, meu amor por ti.

Deixo-te com a verdade escrita neste papel.

Adeus.

De sua sempre amiga, Elizabete. ”


Ela me amava e por mais que eu tentasse fingir, no fundo sabia disso. Porém, nunca pude corresponder esse sentimento, não por sermos amigos, uma vez que acredito que uma bela amizade pode sim transformar-se em amor, mas meu coração nunca poderia ser dela, se pudesse, talvez ela ainda estivesse aqui comigo, e essa culpa tomará o seu lugar e será minha fiel escudeira pelo resto de minha vida.


 
 
 

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