top of page

O vulto atrás da porta


Era pequeno com não mais que sete anos quando escutei o suave arranhar da porta do quarto. Não deviam ser mais que três da madrugada e era o único que estava acordado sem sono. Sussurrei o nome de cada um dos meus familiares que dormiam comigo, somente para constatar que dormiam em um sono profundo.

Respirei fundo e agucei meus ouvidos para reparar se o arranhar da porta era real ou produto de minha imaginação e para meu pavor, ele continuava sibilar como um canto tenebroso.

Dormíamos em uma casa antiga construída pelo meu avô. Ela tinha um aspecto colonial e havia sido construída em 1944, tinha portas imensas e um teto tão alto que uma vassoura comum não podia limpar, as telhas eram velhas e desgastadas, o piso velho tinha cara de sujo mesmo depois de uma boa faxina, os móveis tinham um aspecto enferrujado e escuro, mas era lá onde sempre costumávamos passar nossas férias.

Sem coragem de olhar em direção a porta para investigar o barulho, olhei primeiro para a janela velha de madeira que ficava do outro lado do quarto. Estava fechada enquanto todos iniciaram a noite de sono e agora para meu espanto se encontrava aberta, denunciando o vento gelado da madrugada. Era uma noite com poucas estrelas e muitas nuvens cobrindo o céu. A visão das folhas do pé de acerola dançando com a noite não ajudou a minha imaginação infantil e o medo tomou conta do meu corpo.

O fato de a janela possuir grades e não aparentar ter sido arrombada por algum ladrão não acalmou meus ânimos. Você nunca sabe o que pode aparecer em uma casa grande como aquela, ainda mais em uma rua deserta na região marginal ao antigo centro da cidade. Não se ouvia som de carros, nem de pessoas, somente o barulho de música alta que vinha de um cabaré que ficava no final da rua, uns dois quarteirões mais a frente.

Lentamente fui virando a minha cabeça em direção à porta, com meu coração palpitando e os dedos dos pés tremendo, mas tinha que saber que barulho era aquele. E então meus olhos travaram.

Foi como um longo respirar ao retirar a cabeça debaixo da piscina, quando se está brincando de prender a respiração, ali em frente aquela porta não havia nada que pudesse me causar pânico, ela estava entreaberta e até ai nenhum problema, já que tínhamos dormido com ela daquela maneira. Era possível vislumbrar um pequeno feixe luminoso vindo de um abajur velho que ficava no corredor e por mais que olhar para aquela ponta de luz pudesse causar arrepios, o pior já havia passado, não havia nada arranhando a porta, era tudo coisa da minha cabeça.

Vou então me preparando para voltar minha atenção a minha noite de sono, quando o feixe de luz começa a piscar – Só faltava essa, o abajur com defeito, pensei prontamente – levantei-me bem quietinho para não acordar ninguém, e senti o piso gelado beijar meus dedos, enquanto meus pés procuravam minhas chinelas. Precisei então passar por debaixo da rede de minha tia para não acorda-la.

Estava lá rastejando, me sentindo um soldado do exercito em treinamento, quando aquela ponta de luz a falhar se extinguiu. E tudo aconteceu mais rápido que um piscar de olhos, meu coração travou e minha garganta ficou seca com o que aconteceu.

Percebi a porta se entreabrir um pouco mais do que estava e naquele momento não tinha mais como desviar o olhar, um vulto preto passou para dentro do quarto e subiu parede acima em direção ao teto alto.

As lágrimas percorreram lentamente meu rosto silencioso e o pavor que tomou meu corpo, deixou-me incapaz de dar qualquer grito ou chamar atenção de alguém. E se não acordassem e o vulto preto viesse me pegar?

Fiquei travado por um tempo que não sei determinar, na minha cabeça o melhor era ficar estatelado como um pedaço de trapo naquele chão e não tentar descobrir o que de fato era aquele vulto que invadira o quarto.

Nenhuma palavra, nem movimento e a respiração cadenciada para não denunciar que aquele corpo inerte no chão estava vivo. E aquela ranhura da porta deu lugar, ao arranhar da parede. Refém do medo e pânico, acabei por pegar no sono.

Acordei com minha Tia berrando assustada e questionando o porquê tinha dormido embaixo de sua rede. Ao contar o que aconteceu a todo mundo escutei risos dos mais velhos, que devem ter pensando em como a imaginação de uma criança pode ser fértil. Meu padrinho que adorava inventar histórias para me por medo falou que era um animal infernal que vinha em busca daqueles que não gostavam de pegar no sono.

Um grito vindo da cozinha chamou a atenção de todos e corremos para ver o que tinha acontecido. A doméstica que havia acabado de chegar para seus afazeres na casa estava acuada no canto da cozinha com cara de pavor, enquanto olhava para a mesa de jantar.

A visão que todos tiveram foi impactante e mesmo com meu tio tapando meu rosto e me tirando da cozinha ainda consegui ver o suficiente para deixar toda minha infância traumatizada.

© 2023 por Amante de Livros. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page